quarta-feira, 8 de outubro de 2014

07/06/2013 - 2 dia - Roncesvalles a Zariquiegui

Mapa de Altimetria


Locais visitados hoje:

28 km - Burguete - Séc. XII.

46,9 km - Zubiri (povo da ponte) - Ponte de la Rabia (ponte da raiva), sobre o rio Arga, com estilo romântico do séc. XII, e segundo a lenda, os animais doentes ao passar baixo de seus arcos, ficavam milagrosamente curados. Ha também uma fonte "Batueco" que, segundo dizem, tem propriedades curativas.

52,7 km - Larrasoaña - ponte gótica, Puente de los Bandidos, sobre o rio Arga, local em que salteadores aproveitavam para assaltar peregrinos (passado). 

63,1 km - Trindad de Arre - após atravessar o vale de Esteribar e a ponte medieval sobre o rio Ulzama.

67,3 km - Pamplona - cidade fundada por Pompeu imperador Romano em 75 E.C. - praça do Touro - no dia de San Firmim é feito aquelas "Touradas" - maior festividade de 6 a 14 de julho. A entrada se dá pelo "passeo de Magdalena" e sobre a ponte sobre o rio Arga. É obrigatória a entrada pela Porta de Francia, uma ponte elevadiça construída em 1553. Destaque para catedral de Pamplona (Sta Maria de La Real), a plaza del Castillo, e a Cidadela - uma magnifica fortificação medieval - que poderá ser vista ou atravessada pois é passagem para Cizur.

78,3 km - Zariquiegui - ao pé do monte Alto do perdón. 

Diário de bike:

Hoje o dia começa diferente! Ouvimos rumores de que poderia estar chovendo. Como no quarto não tem janelas, ainda não sabemos como está o tempo lá fora. Exatamente às 6h, as luzes se acendem e, de repente, entra um senhor cantando, algo parecido a um canto gregoriano. Consegui filmar um pouquinho:


Depois deste animado despertador, soubemos que o céu estava azul e não que não havia "rain" (chuva), ao menos por enquanto. Ficou bem mais divertido sair da cama... 

Arrumamos nossas 'tralhas' e descemos para o café. Aqui não existe serviço de café da manhã, como no albergue em Saint Jean. O custo foi de E$ 10,00 e não tinha wifi, apenas computadores ativado através de moedas. Como não conseguimos encontrar pão ontem a noite, tínhamos apenas o recurso de pegar qualquer coisa em uma dessas máquinas de refrigerante e biscoitos. Quando cheguei na sala, olha quem encontrei?!? Aqueles dois italianos de ontem. Pedi para fazer uma foto deles que permitiram na hora... olha o 'sorrisão' deles!


Escolho qualquer coisa, mas não consigo comer muito bem. Os primeiros dias de uma cicloviagem são sempre os mais estressantes fisicamente, pois o corpo sente que a cama não é a sua, fadiga do dia inteiro pedalado, o intestino não está entendendo nada, enfim... esta parte é meio complexa. E para 'ajudar', meus colegas tem uma pressa para sair e isso me deixa um pouco nervosa. Quando saio para colocar meus alforges na bike, eles praticamente estão sentados sobre a bike me esperando. Encaixo rapidamente e ouço a conversa entre eles e aquele casal de brasileiros (que falavam mal dos Pirineus). Os brasileiros estão abandonando o caminho, devido a dificuldade. Neste momento, tenho uma reação horrível. Penso com os meus 'botões': 'Bem feito, quem mandou vir para cá sem estar preparado!!' (Mal sabia tudo que eu estava prestes a passar). 

Quando começo a pedalar, há muitos peregrinos pelo caminho. Logo na saída, encontro meu amigo Jacob. Fico muito feliz e paro para fazer o que eu acho que será nossa última foto. Buen Camiño meu amigo!


Á partir daqui, fiquei um pouco para trás devido a pausa para a foto com meu amigo. Mas sei que me arrependeria se não tivesse parado, pois só teria esta chance para nossa última foto. Sinto um certo cansaço anormal. Parece que minhas rodas estão travadas, que levo um elefante nas costas. Olho para meus pneus e percebo que devem estar meio murchos, mas não encontro nenhum posto de gasolina para calibrar e, por isso, tenho que seguir assim mesmo. 

A primeira cidade que passamos após Roncesvalles é Burguete. Trata-se de uma pequena cidade muito simpática.





Começo a ficar para trás novamente. Minha colega até me aguarda no final de algumas subidas e tento o mesmo que ela fez comigo ontem, digo que não me sinto muito bem. No entanto, o marido dela novamente começa sumir a nossa frente. Em um certo momento, ele nos espera próximo a um pequeno córrego. Ele estava filmando e ela pergunta se é possível passar por ali. Ele responde que sim... Quando ela começa a travessia, seu pneu escorrega e ela cai lá dentro. Largo minha bike e corro para socorre-la, visto que ela não consegue se colocar em pé, devido ao peso dos alforges. Assim que saímos dali, sinto que eles precisam conversar e, aliado a minha indisposição, acabo ficando para trás. De início, penso que isso é normal... estamos acostumados a pedalar um pouco a frente e depois sempre paramos para aguardar um ao outro. 

Começo sentir uma imensa vontade de ir a um banheiro. Por isso, quando chego em uma nova vila, paro a bike, em uma rua paralela ao caminho, e entro em uma 'tienda' (mercearia). Descubro que aqui tem o famoso lanche do Caminho de Santiago - Bocadillo. 


Trata-se de uma baguete, deve medir uns 30 cm, que pode ser servida com Ramon - Presunto, ou queijo e custa uns E$ 5,00. Uso o banheiro, pego meu lanche e quando volto para a bike, dou umas mordiscadas rápida e sigo em frente. Volto a pedalar imaginando que logo encontrarei eles, talvez meio impacientes comigo, devido a minha demora. Mas pedalo uns 10 km sem parar e nada de encontrá-los. Começo a ficar preocupada. Será que eles voltaram me procurar e acabamos nos desencontrando, visto que eu sai do caminho para ir até a tienda? Não sei o que pensar e, por isso, começo a deixar recadinhos pelo caminho avisando que já tinha passado por ali, caso eles realmente tenham ficado para trás. Com toda esta preocupação, nem estou aproveitando direito. Respiro fundo, aperto bem os olhos e digo a mim mesma: 'Pare!! Olhe em volta, fale com as pessoas e aproveite o momento menina!!' Por isso, começo a conversar com quem vai passando por mim e tento ficar mais tranquila. 



Sigo sozinha e passo por uma brasileira. Conversamos um pouco e tiro uma foto com ela... pena que não lembro seu nome. 


É estranho que, pela altimetria, não é possível ver grandes subidas... mas o caminho tem umas 'escaladas' que estão quase intransponíveis para mim! Por sorte, alguns peregrinos são muito solícitos e, mesmo com suas mochilas nas costas, ainda encontram força para me ajudar. Um deles foi este rapaz americano, que praticamente levou minha bike até o alto desta montanha. Me sentia tão envergonhada pela situação... ao final, apenas sorri e disse: You is my turbo friend!  I was realy need your help, thank you. (Você é meu amigo turbo. Eu estava realmente precisando de sua ajuda, obrigada! - com minha conjugação daquele jeitão...). Ele compreendeu perfeitamente, me deu um belo sorriso e disse: Buen Camiño, my friend!


Entro em um trecho de floresta fechada e observo um rapaz passar por mim de bike. Olho para trás e percebo que está sozinho. Logo a frente ele está parado comendo um lanche e decido fazer o mesmo... Puxo conversa e conheço o professor Francesco, um espanhol muito simpático e falador. Ele me pergunta se estou sozinha e explico que não, só não sei onde meus amigos estão (para frente ou para trás). Por isso, assim que terminamos nossos lanches ele diz que vai me acompanhar. Segundo ele, aqui não é seguro para uma menina sozinha.


O Fran é uma pessoa incrível! Me trata com a maior preocupação, como se fosse sua filha. Ele gritava o tempo todo atrás de mim: Ânimo Claudiaaaa! Eu apenas ria, pois não me sentia muito animada. Quando estávamos num lugar com muitas pedras ou descida muito forte, ele já dizia: 'Desce Clau, ai ta perigoso'. Nossas conversas me ajudavam a distrair. Me contou que no ano passado, ele teria acompanhado um amigo durante dois dias pelo Caminho de Santiago e, neste ano, voltou sozinho para fazer completo.  É casado, acho que tem duas filhas. Não pedala, mas seu condicionamento físico é excelente porque pratica natação. Ele dá aulas de Inglês e se não me engano em Francês. Sua companhia foi mesmo essencial, principalmente quando meu alforge começou a cair novamente. Sinceramente, não sei o que teria feito se estivesse sozinha. Ele chega a me dar um elástico dele, que serve de apoio. Digo que talvez em Pamplona eu procure uma loja e tente comprar outro alforge. 

Chegamos a Zubiri. Aqui é muito bonito! Aproveitamos para fazer algumas fotos. Peço que ele faça algumas para mim, to cansada dos 'selfie'. 



Olha a água que limpinha! Uma das coisas que mais admiro por aqui é que praticamente todos os rios são próprio para banho. 






Tive medo de passar mal por tomar água de fonte, mas decidi arriscar. 


Logo a frente, passo por um portão e vejo que há um recado. Quando chego mais perto, percebo que é a letra de minha colega. Ela avisa que passaram por aqui a uma hora atrás. Sinto que perco o chão. Por alguns instantes penso, 'poxa vida, porque não estão me esperando?!? Será que estou pedalando tão lentamente assim?' Sinto-me muito insegura, com vontade de chorar. Fran me pergunta qual o problema, mas digo que estou bem. Ele olha o recado em minhas mãos e apenas balbucia algo, que acabo entendendo ter um ar de reprovação. Coloco o bilhete no bolso e seguimos em frente. Fico calada e pensativa. Ele percebe isso e começa a me fazer um milhão de perguntas, mas não estou a fim de conversar. Ele percebe isso e me deixa quietinha, mas não me deixa sozinha nem por um minuto. Ele percebe também que não estou a fim de fazer fotos, mas me faz parar a toda hora e diz: 'Vamos tirar uma foto aqui!' Como isso soa mais como uma ordem, paro e faço as fotos. 












Chegamos em um cruzamento e ficamos com dúvida para onde seguir. Enquanto estamos parados avaliando, vejo meus colegas vindo em uma das direções. Me sinto tranquila quando os vejo, mas não me sinto feliz. Fran não se demonstra tão simpático com eles, como estava sendo comigo. Minha colega me disse que estava muito preocupada e que deixou milhares de recadinho pelo caminho. Digo que encontrei dois. Expliquei que demorei, devido a ter tido a necessidade de parar para usar o banheiro, para comer e para prender meu alforge a cada vez que caía. Destaco que o Fran foi muito importante para mim! Na sequência, seguimos os quatro, mas eles novamente não esperavam por mim. 





Meu alforge cai  novamente e Francesco, com toda calma do mundo, me ajuda a prendê-lo de novo. Em um dado momento, eles não viram uma seta e seguiam para um lugar errado. Fran os chama, de modo que voltam. Seguimos em um total silêncio até chegarmos em uma praça onde decidimos sentar e comer. 


Lembro-me que antes de partir, conversamos algumas vezes sobre a preocupação de nos desentendermos durante o caminho. De fato, devido a vários fatores, como fuso-horário, mudança de clima, cansaço, diferença de opiniões, enfim, sempre sobram motivos para nos deixar impacientes. Por isso, tento conversar como se nada tivesse acontecido e funciona bem. Logo meus colegas sugerem fazer uma parada em uma casa de material de construção, comprar muitos parafusos, usar uns arames para tentar prender meu alforge a qualquer custo. A única desvantagem, é que eu não conseguiria removê-lo do suporte... mas eu disse que, desde que parasse de cair, por mim tudo bem. Com a preciosa ajuda de Fran, achamos uma casa de material para construção e conseguimos fazer uma 'mega gambiarra' em meu alforge, que fixou 100%. Fico muito feliz que pude contar com eles e chego a pensar que, à partir de agora, está tudo bem. 



Com os alforges bem presos, me sinto segura e feliz. Entramos em Pamplona e aproveitamos para fazer muitas fotos. 












Olho no relógio e vejo que já são 17:30 e ainda estamos em Cizur Menor. Pelos nossos planos, gostaríamos de dormir em Puente La Reina, mas ainda temos 20 Km e o Alto do Perdón pela frente. Sinto sinais de grande esgotamento. Por isso, chamo minha colega em um canto e digo que estou sentindo que não vou conseguir. Ela sugere que fiquemos por ali, mas seu marido nos diz que ele dormirá em Puente La Reina. Me sinto tão mal com isso. Sinto que estou sendo um fardo para eles. Paramos em uma padaria para comer alguma coisa, antes da grande subida. 






Agora que estou com meus colegas, Fran segue na frente. Tento ficar bem, mas estou cansada e desgastada física e emocionalmente. Pelo que li sobre o Alto do Perdón, trata-se de uma subida ingrime e descida com muitas pedras. Normalmente, descer até a pé é difícil. Por isso, decido ir no meu ritmo para subir os 4 km e fico novamente para trás.





Sonhei tanto em passar por aqui... mas infelizmente as coisas não estão saindo como gostaria. Fecho novamente meus olhos, de modo bem firme, a fim de me lembrar que posso e vou ficar bem, que tudo vai dar certo e que a visão lá de cima será linda! Olho a minha volta e percebo que estou num lugar lindo... não me importando em ter ficado para trás, paro e faço algumas fotos. 


Aqui é a Vila Zariquiegui.



De repente, o tempo muda radicalmente e a temperatura começa a baixar. Consigo segurar as 'pontas' diante de quase tudo... mas frio, é meu 'tendão de aquiles'. Paro novamente para pegar uma blusa e pego também meu IPOD com a esperança que a música me distraia do frio e do cansaço. 




À partir daqui, a situação piorou muito. Começou a chover de uma forma que é difícil de descrever. Raios, trovões e relâmpagos começaram a cair no topo da montanha, exatamente para onde estávamos indo. Minhas mãos estavam muito molhadas e eu não as sentia mais. Quando estava mais ou menos no meio da montanha acho que o frio começou a afetar meus sentidos. Fechava os olhos, respirava fundo, mas nada adiantava. De repente, achei ter ouvido um grito, de uma mulher. Olhei em volta mas não via nada. Para cima, muitos raios, para baixo, muita descida. Olhei para baixo e vi a vila que tínhamos acabado de passar a pouco. Parecia estar vendo alguém la embaixo acenando para mim. Esfreguei os olhos e não vi nada. Sabia que quando chegasse lá em cima eles com certeza não estariam por lá me esperando. Não fizeram isso o dia todo, porque fariam agora?!? Percebi o quanto estava mal neste momento e me deixei cair em desespero. Cansada, com frio e fome, sozinha... chega. O pedal de hoje, para mim, acabara aqui. Olhei para cima, como não os via mais, desejei de coração que continuassem sem mim e eu, virei a bike e desci em meio a chuva. 

Voltei para a vila de Zariquiegui, não sabia se havia algum albergue por lá mas sinceramente estava disposta a bater na casa de alguém para pedir ajuda, caso fosse necessário. De repente, ouço alguém me chamando e apontando uma direção. Chego a casa que a pessoa me apontou e descubro um albergue. Está tão quente aqui dentro. Vou entrando e a moça me diz que custará E$ 22 euros, com tudo, inclusive a janta. Eles até lavam e secam minhas roupas. Ela pede que eu me sente a mesa, pois está na hora do jantar. Digo a ela que preciso de um banho, mas ela diz que se não sentar agora, ficarei sem o jantar e sem muita opção, apenas coloco uma roupa seca, sento-me a mesa com mais umas 10 pessoas (aqui não existe o famoso jeitinho brasileiro... é ou não é e ponto final). Tento comer, mas meu estomago está embrulhado. Sinto vontade de jogar tudo pro alto e desistir. Mexo na comida, mas não consigo comer. Há uma peregrina jovem, sentada em minha frente na mesa. Ela tenta conversar comigo, mas estou arredia, não quero falar. Mais tarde, bate a porta dois policiais procurando uma menina "perdida". Estou aqui, eu disse. Expliquei o que havia acontecido e eles disseram que fiz bem em voltar. Perguntei se tinha o contato de quem os solicitou, para que me passasse ou apenas os avisassem que estava tudo bem agora. Antes de conseguir sair da mesa, todos quiseram saber o que havia acontecido e explico muito por 'alto', apenas para ficarem tranquilos. Fui para o banho e chorei muito por lá.

Aqui tem wifi. Meu noivo e minha família precisam saber que estou 'bem'. Por isso, respiro fundo, mando uma mensagem para minha mãe e converso com Filipe, pelo Skype. Não falo nada sobre o ocorrido para eles, não os quero preocupar. Filipe disse que me sentia triste, mas respondo que é apenas cansaço, devido as subidas e a chuva. Ele não se convence muito, mas digo que preciso desligar para poder descansar. Antes de sair da internet, deixo um recado via facebook para o Luiz, aquele moço de São Paulo que veio conosco, que avisasse ao casal, caso os visse, que eu estava bem.

Fui para o quarto, deitei e, embora estivesse exausta, não conseguia dormir. Após algumas horas consegui pegar no sono... amanhã eu decido o que fazer.

6 comentários:

  1. oi amor que dó aquela pessoa acenando era era eu pois vc estava no meu pensamento o tempo todo!!!!!

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  2. Fotos maravilhosas, Claudia. E a história... Bom, a história é a história, né? Decisões acertadas melhoram tudo... Está muito bom, seu blog! Mais uma vez, parabéns.

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  3. Uffff... Quando você contou essa estória lá no Lagamar fiquei com vontade de chorar; aconteceu o mesmo novamente. Estou esperando o 3o. dia ansiosamente... Eros

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  4. Que dia difícil!!!Fiquei agoniada...sofrendo com vc, e refletindo sobre as ações das pessoas(tanto boas como más). E sobre esse dia... não sei se eu teria continuado. Mas sei que vc continuou, e já te admiro muito por isso. Vou continuar lendo...

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